Revista de Educación Estadística

Revista de Educación Estadística

https://revistaeduest.ucm.cl/

Vol. 2, n. 1, 1-27, abr. 2023 - sep. 2023

ISSN 2810-6164

DOI: https://doi.org/10.29035/redes.2.1.2

 

A GÊNESE INSTRUMENTAL NA RELAÇÃO ENTRE CRIANÇAS E A MAQUETE TÁTIL NO ESTUDO DO CONCEITO DE CHANCE

La génesis instrumental en la relación entre los niños y el modelo táctil en el estudio del concepto de azar

The instrumental genesis in the relationship between children and the tactile model in the study of the concept of chance

Verônica Yumi Kataoka*1

Universidade Estadual de Santa Cruz (Ilhéus, Brasil)

Aida Carvalho Vita2

Universidade Estadual de Santa Cruz (Ilhéus, Brasil)

 

Resumo

Neste artigo tem-se como objetivo investigar nas ações de crianças da educação infantil, elementos que sinalizem a presença da Gênese Instrumental (GI), ao resolverem tarefas envolvendo o conceito de chance no contexto da maquete tátil (MT). A MT é composta por peças (tabuleiro, objetos, porta-copos, fichas EVA, colmeia e campainha) e cinco tarefas da Sequência de Ensino Passeios Aleatórios do Jefferson 3 amigos. Para observar a ocorrência da GI, nas direções da instrumentação e da instrumentalização, foram investigados a evolução dos esquemas de uso das crianças (S) ao resolverem as tarefas envolvendo o conceito de chance (O) mediadas pela MT (I), bem como as relações [S-I], [S-(I)-O] e [I-O], estabelecidas no modelo das Situações de Atividade Instrumentadas, sendo considerado como meio nesse modelo, o contexto das tarefas, divididas em três blocos. Nessa análise, identificou-se elementos contundentes que sinalizaram a instrumentação, mas, observados apenas indícios quanto a instrumentalização. Por fim, ainda que a GI só tenha ocorrido de forma efetiva em uma das direções, a MT mostrou-se versátil, para a abordagem do conceito de chance, o que pode estimular os professores no uso desse material para trabalhar esse conceito na escola, favorecendo assim, o desenvolvimento do letramento probabilístico dos seus alunos.

Palavras chave: Conceito de chance, Maquete Tátil, Gênese Instrumental, Educação Infantil.

 

Resumen

El objetivo de este artículo es investigar, en las acciones de niños de jardín de infancia, elementos que señalan la presencia de la Génesis Instrumental (GI), al resolver tareas que involucran el concepto de azar en el contexto del modelo táctil (MT). El MT consta de partes (tablero, objetos, portavasos, fichas de EVA, colmena y campana) y cinco tareas de la secuencia de enseñanza Random Walks de Jefferson 3 amigos. Para observar la ocurrencia de GI, en las direcciones de instrumentación e instrumentalización, se investigó la evolución de los esquemas de uso de los niños (S) al resolver tareas que involucran el concepto de azar (O), mediado por TM (I), así como la relaciones [S-I], [S-(I)-O] e [I-O], establecidas en el modelo de Situaciones de Actividad Instrumentadas, considerando el contexto de la tarea como un medio en este modelo, dividido en tres bloques. En este análisis, se identificaron elementos fuertes que señalaron la instrumentación, pero solo se observaron indicios sobre la instrumentación. Finalmente, si bien el GI solo se presentó de manera efectiva en una de las direcciones, el MT demostró ser versátil para abordar el concepto de azar, lo que puede incentivar a los docentes a utilizar este material para trabajar este concepto en la escuela, favoreciendo así, el desarrollo de la alfabetización probabilística de sus estudiantes.

Palabras clave: Concepto de azar, Modelo Táctil, Genésis Instrumental, Járdin de Infancia.

 

Abstract

The aim of this article is to investigate, in the actions of children in kindergarten, elements that signal the presence of the Instrumental Genesis (IG), when solving tasks involving the concept of chance in the context of the tactile model (TM). The TM consists of parts (board, objects, cup holders, EVA tokens, beehive and bell) and five tasks from the Teaching Sequence Random Walks by Jefferson 3 friends. To observe the occurrence of GI, in the directions of instrumentation and instrumentalization, the evolution of the use schemes of children (S) were investigated when solving tasks involving the concept of chance (O) mediated by TM (I), as well as the relations [S-I], [S-(I)-O] and [I-O], established in the Instrumented Activity Situations model, considering the task context as a means in this model, divided into three blocks. In this analysis, strong elements were identified that signaled the instrumentation, but only indications regarding instrumentalization were observed. Finally, even though the GI only occurred effectively in one of the directions, the TM proved to be versatile for approaching the concept of chance, which can encourage teachers to use this material to work on this concept at school, thus favoring the development of the probabilistic literacy of its students.

Keywords: Concept of chance, Taclite Model, Instrumental Genesis, Kindergaten.

 

Recibido: 30/01/2023 - Aceptado: 14/04/2023

 

1. INTRODUÇÃO

 

Nesse artigo temos como objetivo investigar nas ações de crianças da educação infantil, elementos que sinalizem a presença da Gênese Instrumental (GI), ao resolverem tarefas envolvendo o conceito de chance no contexto da maquete tátil (MT). O termo chance é utilizado de acordo com Watson (2006), como sendo “[...] uma aproximação da probabilidade, para distinguir aspectos mais intuitivos e experimentais do estudo da probabilidade teórica baseada nos espaços amostrais” (p. 128).

Buscando motivações para o desenvolvimento da nossa pesquisa, inicialmente no que tange a escolha dos sujeitos, crianças da Educação Infantil, encontramos amparo nos estudos de Way (2003), Tatsis et al. (2008), HodnikČadež e Škrbec (2011), Almeida (2017) e Santos (2017), que reforçam que seja possível abordar conceitos probabilísticos básicos, como o de chance, com crianças nessa faixa etária. Por exemplo, na pesquisa de Tatsis et al. (2008), foi investigada a linguagem verbal usada pelo professor e por 19 crianças de cinco anos de idade da educação infantil, enquanto discutiam a equidade de dois jogos que envolviam o conceito de chance, buscando analisar as estratégias utilizadas para justificar seus pontos de vista, ao tentar compreender a noção de equidade e as estratégias do professor em estabelecer essa noção.

Já nos estudos de Almeida (2017) e Santos (2017), desenvolvidos no âmbito do projeto de Vita et al (2016), os sujeitos foram crianças de 5 anos de idade, e tiveram como objetivo principal investigar o uso da MT para o ensino do conceito de chance à luz, respectivamente, da Teoria dos Campos Conceituais (Vergnaud, 1983) e da Teoria da Instrumentação (Rabardel 1995). Almeida (2017) verificou que as crianças no decorrer da aplicação usaram esquemas cada vez mais apropriados às situações, mobilizando diferentes invariantes operatórios, inferindo-se assim que a apropriação dos elementos do campo conceitual de chance foi ocorrendo num crescente. E Santos (2017) observou que à medida que as tarefas foram sendo aplicadas, as crianças se familiarizavam cada vez mais com as peças da maquete, mostrando-se eficientes para solucionar as tarefas, considerando que elas não tinham vivenciado nenhuma instrução formal sobre o conceito de chance.

Buscamos também nas orientações curriculares brasileiras, recomendações para a abordagem, mesmo que ainda de forma indireta, de conceitos probabilísticos básicos na educação infantil. E assim, identificamos que o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (Brasil, 1998) sinaliza que a criança pode desenvolver o raciocínio abstrato manipulando objetos concretos, já a Base Nacional Curricular Comum – BNCC (Brasil, 2018), mais especificamente para crianças de quatro a cinco anos, indica que o professor proponha atividades que possibilitem “Estabelecer relações de comparação entre objetos, observando suas propriedades, relacionar números às suas respectivas quantidades [...] expressar medidas (peso, altura etc.), construindo gráficos básicos” (p. 51 e 52).

Observamos ainda as orientações de Gal (2005), que indica a necessidade de desenvolvermos nos alunos, desde os anos escolares iniciais, a capacidade de ler, interpretar, transmitir e avaliar criticamente as informações probabilísticas, o que esse autor denomina de letramento probabilístico. Pelo exposto, inferimos que as recomendações para abordagem desses conceitos com alunos desde cedo, possam advir do fato de encontrarmos nos meios de comunicação, a utilização de termos probabilísticos em diversas situações do nosso cotidiano, exigindo que os alunos já desenvolvam habilidades e competências para análise mais crítica de informações, como por exemplo, as intenções de votos nas pesquisas eleitorais, as chances de chover, os riscos de contaminação pelo vírus SARS-CoV2 (Covid-19).

Assim definido os sujeitos da nossa pesquisa, buscamos um material didático que possibilitasse a abordagem de conceitos básicos de Probabilidade, em especial o conceito de chance, e que estivesse de acordo também com orientações de alguns estudos, como por exemplo, os de Watson (2006), Nikiforidou e Pange (2010), Batanero et al. (2016), Nikiforidou (2018) e Borovcnik (2018).

Watson (2006) recomenda para a abordagem do conceito de chance, inicialmente, a utilização de atividades descritivas, transitando posteriormente, para o uso de experimentos, e uma comparação dos resultados favoráveis com os resultados totais. Essa autora orienta ainda trabalhar este conceito relacionando com a tomada de decisões em diferentes contextos, e a associação com situações de justiça, de equidade. E apresenta quais devem ser as ideias e os elementos estatísticos a serem abordados na escola para o entendimento desse conceito, como por exemplo, linguagem, contexto, questionamentos, viés, justiça/equidade, proporção, porcentagem, aleatoriedade.

Além disso, de acordo com Batanero et al (2016), todo cidadão precisa construir estratégias e formas de raciocínio que os ajudem a tomar decisões em que o contexto de chance esteja presente em situações cotidianas e profissionais. Já Borovcnik (2018) recomenda trabalhar intuitivamente a noção de acaso e de incerteza a partir de atividades que proporcionem aos alunos a realização de experimentos e a observação de eventos.

Nikiforidou (2018), reforça ainda a necessidade de apesentarmos as crianças nos anos escolares iniciais atividades que possam dar sentido a noção de possível, impossível, aleatório. E de acordo com Nikiforidou e Pange (2010) “todo evento é caracterizado por uma espécie de estimativa sobre o resultado ser provável, possível, improvável, desejável ou impossível” (p.305, tradução nossa).

Diante das orientações desses autores citados e visando o desenvolvimento do letramento probabilístico dos alunos, percebemos a importância do professor em abordar conceitos probabilísticos desde a Educação Infantil, por meio de atividades contextualizadas e significativas para os alunos. E nessa direção, verificamos as potencialidades do material didático denominado Maquete Tátil (MT).

A MT foi desenvolvida por Vita (2012) para trabalhar com alunos videntes e cegos da educação básica (primeira versão desse material), sendo composta de peças e tarefas da Sequência de Ensino Passeios Aleatórios do Jefferson, que permite abordar o conceito de chance com eventos equiprováveis e não equiprováveis, dentre outros conceitos probabilísticos
a partir da exploração feita pelo professor pós-aplicação. Mas desde 2012 até o presente momento, várias pesquisas vêm sendo desenvolvidas visando o seu aperfeiçoamento, logo a elaboração de novas versões, a exemplo de Kataoka et al (2013), Guimarães (2014), Santos (2014), Guimarães (2015), Silveira (2016), Vita et al. (2016), Kataoka et al. (2017), Almeida (2017) e Santos (2017). Nesses estudos a MT foi aplicada a alunos, cegos e videntes, de diversos níveis de ensino (da Educação Infantil a Pós-graduação ao nível de Doutorado) e analisada sob à ótica de diferentes teorias: os Princípios do Desenho Universal de Aprendizagem (CAST, 2011), os Registros de Representações Semióticas proposto por Duval (1995), e, como já dito, a Teoria dos Campos Conceituais e a Teoria da Instrumentação (TI).

Como resultado global desses estudos, verificou-se que a utilização deste material por pessoas com diferentes condições físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, tem se mostrando versátil e eficiente. Mas, apesar desses resultados positivos, nesse artigo, nos desafiamos a analisar a MT com crianças da educação infantil, na sua última versão (Vita et al., 2016), utilizando o conceito de Gênese Instrumental (GI) da TI. E aportamos esse desejo de investigação nas reflexões feitas sobre os pressupostos dessa teoria, em especial partindo das ideias de Rabardel (1995), que afirma que um artefato não é automaticamente um instrumento eficaz e prático para o desenvolvimento de determinada atividade, sendo necessária uma apropriação e uma ação por parte do sujeito sobre ele. Sendo, por conseguinte, necessário analisar esse processo de transformação do artefato em instrumento, justamente a partir da GI.

Salientamos que Silveira et al. (2015) e Silveira (2016), já investigaram a MT à luz da GI, mas a versão utilizada foi diferente da apresentada nesse artigo, além dos sujeitos de pesquisa terem sido, no primeiro estudo, licenciandos em Matemática de uma Universidade Estadual e, no segundo estudo, duas alunas (uma cega e uma vidente) do 1º ano do ensino médio de uma escola pública inclusiva. De qualquer forma, nos aportamos nesses estudos como referências de que seja possível utilizar a GI para analisar esse material didático.

Ademais, encontramos na literatura estudos envolvendo professores de matemática, como por exemplo, de Padilha e Bittar (2012) e de Notare e Basso (2017), que se amparam na GI, para avaliar, respectivamente, o uso de alguns softwares educacionais para o ensino de conceitos matemáticos, e do Geogebra para abordagem de conceitos geométricos.

Postas essas ideias iniciais, retomamos o objetivo geral desse artigo, qual seja, investigar nas ações de crianças da educação infantil, elementos que sinalizem a presença da Gênese Instrumental (GI), ao resolverem tarefas envolvendo o conceito de chance no contexto da maquete tátil (MT). E, por conseguinte, declaramos como nossa questão de pesquisa: que elementos sinalizam a transformação da MT de artefato à instrumento durante seu manuseio por crianças da educação infantil, na resolução das tarefas que envolvem o conceito de chance?

 

2. APORTE TEÓRICO

 

Nesta seção apresentaremos aspectos teóricos da Teoria da Instrumentação envolvendo a Gênese Instrumental, bem como o modelo das Situações de Atividades Instrumentadas (S.A.I.) na pesquisa.

 

2.1. Teoria da Instrumentação

 

Rabardel (1995) e Rabardel e Bourmaud (2003) afirmam que o artefato, objeto material (lápis, esquadro, computador, etc.) ou simbólico (gráfico, mapas e etc.), só se transforma em instrumento ao ser usado, isto é, quando ele é utilizado pelo sujeito como meio para realizar um determinado objetivo.

E essa transformação pode ser investigada pela Teoria da Instrumentação (TI), já que de acordo com Verillon e Rabardel (1995), a partir dessa teoria é possível analisar os processos associados ao uso dos artefatos entendidos como objetos de transmissão, apropriação e desenvolvimento do sujeito que atua sobre ele, permitindo-o que se transforme, progressivamente, num instrumento eficaz para o desenvolvimento de determinada atividade.

Entende-se então, de acordo com Rabardel (1995), que o instrumento é uma entidade mista, composta:

[...] por um lado, o artefato material ou simbólico, produzido pelo sujeito ou por outros sujeitos; por outro lado, de esquemas de utilização associados, resultado de uma construção própria do sujeito, ou de uma apropriação de esquemas sociais de utilização já existentes. (Rabardel, 1995, p. 95, tradução nossa)

No que tange aos artefatos, Rabardel (1995) apresenta três pontos de vista distintos que possibilitam entendê-los: primeiro o artefato como um sistema técnico ou estrutura técnica (com suas especificidades independentes dos sujeitos que o utilizam); segundo o artefato como um sistema de funcionamento, e terceiro o artefato como meio de ação para o sujeito atingir determinado objetivo, possuindo assim um lugar central na atividade a ser realizada. Salientamos que nesse artigo, analisaremos a MT sob este terceiro ponto de vista, considerando-a como um meio de ação para as crianças atingirem aos objetivos propostos, qual seja, a abordagem do conceito de chance no manuseio da MT.

Quanto aos esquemas de utilização, Rabardel (1995) comenta que estes são considerados como sendo uma totalidade dinâmica que organiza a ação do sujeito, necessitando que eles criem expectativas, regras de ações, façam inferência de tal forma que provoquem neles a criação de uma sequência de ações, visando alcançar o objetivo principal da atividade.

Rabardel (1995) distingue três níveis desses esquemas: o primeiro, denominado de esquemas de uso (EU), estão relacionados à gestão das características e propriedades particulares do artefato; o segundo, são esquemas de ação instrumental (EAI), que incorporam os EU, por meio dos quais há uma recomposição da atividade dirigida para o objetivo principal do sujeito com a inserção do instrumento. No terceiro nível, nomeado Esquemas de atividade coletiva instrumental (EACI), considerando-se que os sujeitos inseridos numa atividade coletiva se valem de esquemas de utilização individuais que se integram no meio coletivo, tendo como meta alcançar resultados que possam atender aos objetivos comuns.

Pelo exposto desses aspectos teóricos da TI, entende-se assim que o sujeito constrói o instrumento, levando em consideração as potencialidades e limitações dos artefatos disponíveis e os esquemas de utilização desenvolvidos por ele, bem como a partir da necessidade de reorganizar uma dada atividade, considerando seus conhecimentos e o meio em que está inserido. E essa transformação do artefato em instrumento na Teoria da Instrumentação é, justamente, o que Rabardel (1995) denomina de Gênese Instrumental.

 

2.2. Gênese Instrumental

 

Para analisar a Gênese Instrumental (GI), Rabardel (1995) propôs o modelo das Situações de Atividade Instrumentadas (S.A.I.), representado na Figura 1.

 

Figura 1

Modelo das Situações de Atividades Instrumentadas (S.A.I.)

Modelo das Situações de Atividades Instrumentadas (S.A.I.)

Nota: Recuperado de Rabardel (1995, p. 53).

 

Como pode ser observado pelo esquema da Figura 1, o modelo S.A.I. é composto por três polos e apresenta várias relações e interações. Os polos são representados por: Sujeito(S), usuário, operador, empregado, agente, etc.; Instrumento(I), ferramenta, máquina, sistema, utensílio, produto, etc.; Objeto (O), ao qual a ação de usar o instrumento é dirigida, portanto, a matéria, objeto da atividade, de trabalho, etc. Deve-se levar em consideração também o Meio, que é formado pelo conjunto de condições que são apresentadas ao sujeito para a realização da atividade.

E neste modelo, as linhas contínuas se referem às relações diretas entre os polos e a linha pontilhada à relação mediada. Desta forma, podem ser consideradas sempre em dois sentidos as seguintes interações entre os polos: sujeito e instrumento [S-I]; instrumento e objeto [I-O]; sujeito e objeto [S-O], as quais são consideradas relações diretas e a interação sujeito-objeto mediada pelo instrumento [S-(I)-O], concebida como uma relação mediada. A partir dessas relações, com exceção de [S-O], Rabardel (1995) afirma que é possível investigar a ocorrência da GI. E segundo esse mesmo autor, a gênese compreende dois processos, denominados de instrumentação e instrumentalização, os quais determinam o surgimento e evolução do instrumento. O processo de instrumentação: “[...] é relativo ao surgimento e evolução dos esquemas de uso e da ação instrumental: sua constituição, seu funcionamento, sua evolução por acomodação, coordenação e combinação, inclusão e assimilação recíproca, a assimilação de novos artefatos aos esquemas preexistentes” (Rabardel, 1995, p. 111, tradução nossa).

Este processo de instrumentação está associado à descoberta das propriedades intrínsecas (características permanentes) do artefato pelos sujeitos, que utilizam seus conhecimentos e seu método de trabalho para o desenvolvimento das atividades. Sendo assim, Rabardel (1995) infere que a instrumentação é orientada para o próprio sujeito, o qual constrói esquemas ou desenvolve esquemas pré-existentes e os acomoda, e propõe analisar a relação [S-I] do Modelo S.A.I.

No caso do processo de instrumentalização, Rabardel (1995) esclarece que: “[...] se refere ao surgimento e evolução do componente artefato do instrumento: selecionando, agrupando, produzindo e definindo funções, transformando o artefato (estrutura, funcionamento, etc.) prolongando e criando as propriedades do artefato cujos limites são difíceis de determinar” (Rabardel, 1995, p. 111, tradução nossa).

Então, de acordo com Rabardel (1995), a instrumentalização é orientada para o artefato, possibilitando o surgimento e evolução dos componentes artefactuais do instrumento. E para analisar a instrumentalização, tendo em vista o modelo S.A.I., propõe estudar as relações [I-O] e [S-(I)-O], que possibilitam observar a gênese a partir do artefato com suas restrições e possibilidades. Neste processo, segundo Rabardel (1995), o sujeito, tendo o artefato em mãos, vale-se das possibilidades e restrições do mesmo para desempenhar as atividades.

Salientamos que o processo de GI na perspectiva de Rabardel (1995) está intimamente relacionado à transformação de um artefato num instrumento, não fazendo parte, assim, a interação direta entre o sujeito e o objeto [S-O].

Tendo apresentado tais considerações teóricas, a seguir, faremos a discussão sobre o modelo S.A.I. na pesquisa, isto é, seus polos e as relações entre eles, aspectos que nos permitirão investigar a GI.

 

2.3. Modelo das Situações de Atividades Instrumentadas na Pesquisa

 

Organizamos os três polos do modelo S.A.I. neste estudo do seguinte modo: Sujeito (S), crianças da educação infantil; Instrumento (I), maquete tátil; Objeto (O), conceitos de chance, e esquematizamos conforme Figura 2.

 

Figura 2

Modelo S.A.I. nesta Pesquisa

Modelo S.A.I. nesta Pesquisa

 

Com a interação entre as crianças (S) e a maquete tátil (I), isto é, [S-I], investigamos o manuseio da maquete pelas crianças, com o intuito de solucionar as tarefas da SE PAJ 3 amigos, bem como sua interação com as peças. E como já dito, com esta relação é possível investigar o processo de instrumentação.

Outra relação a ser considerada é entre a maquete (I) e o conceito de chance (O), ou seja, a relação [I-O] no sentido de verificar se as peças e as tarefas da SE PAJ 3 amigos que compõem a maquete, contribuem ou dificultam para abordagem do conceito de chance; além disso, se estes conceitos são abordados com coerência nas tarefas propostas.

Ainda, investigamos a relação entre as crianças (S) e o conceito de chance (O) mediada pela maquete (I), a relação [S-(I)-O] para analisar o papel mediador da maquete, nas ações desenvolvidas pelas crianças ao solucionar as tarefas envolvendo o conceito de chance. Investigando essas relações [I-O] e [S-(I)-O], será possível conhecer o processo de instrumentalização. Salientamos que o Meio, no caso do nosso artigo, é considerado como sendo os diferentes ambientes, contextos, em que as tarefas da SE PAJ 3 amigos estão estruturadas. A seguir, descreveremos de forma mais detalhada cada um dos polos.

 

2.3.1. O polo Sujeito (S)

O polo sujeito será composto por 14 crianças, reunidas em sete duplas, da educação infantil, com idade de cinco anos, de uma escola particular da cidade de Itabuna-BA. Salientamos que até o momento da aplicação as crianças não tinham recebido instrução formal sobre Probabilidade; e que as tarefas foram verbalizadas pelo pesquisador e adaptadas de modo a não exigir respostas escritas, uma vez que as crianças não dominavam ainda a leitura e a escrita.

 

2.3.2. O polo Instrumento (I)

A maquete tátil é constituída por peças (tabuleiro, casas, presentes, fichas emborrachadas do tipo Etileno Acetato de Vinila (EVA), porta-copos, colmeias e campainha) e pelas tarefas da Sequência de Ensino Os Passeios Aleatório do Jefferson 3 amigos (SE PAJ 3 amigos). Os tabuleiros são de dois tamanhos: grande, construído previamente no chão com dimensões de 3mx3m (Figura 3a) e pequeno, feito com papelão e EVA, de dimensões 30 cm x 30 cm (Figura 3b). Ressaltamos que o tabuleiro no chão é subdivido, com fita adesiva, em nove quadrados, representando as quadras, já no tamanho pequeno as nove quadras estão em relevo.

As casas são de dois tamanhos, grande (Figura 3a) e pequeno (Figura 3b), ambas de papelão, e quando colocadas (no caso do pequeno fixadas com velcro) nos respectivos tabuleiros, estes passam a ser chamados de bairros.

 

Figura 3

Tabuleiros 3 amigos e casas grandes (a) e pequenas (b)

Tabuleiros 3 amigos e casas grandes (a) e pequenas (b)

Os presentes são colados nos telhados das casas; sendo também de dois tamanhos, grande: dados em papelão 15 cm x15 cm, bonecas e bolas de plástico (Figura 4a) e pequenos: dados de 1cmx1cm, bonecas plásticas e bolas de isopor (Figura 4b).

 

Figura 4

Presentes grandes (a) e pequenos (b)

Presentes grandes (a) e pequenos (b)

Os presentes fazem parte da coleção de cada um dos amigos e são dados por Jefferson quando os visita, como descrito na história da SE PAJ versão 3 amigos (Figura 5).

 

Figura 5

História da SE PAJ versão 3 amigos

História da SE PAJ versão 3 amigos

As fichas em EVA existem no tamanho grande (10 cm x 10 cm) e também no tamanho pequeno
(2 cm x 2 cm), com formato quadrangular e as faces representando o movimento de Jefferson sobre o tabuleiro, a saber, a face atoalhada se caminhar para o norte e a face lisa para o leste (Figura 6).

 

Figura 6

Exemplos de fichas em EVA no tamanho grande

Exemplos de fichas em EVA no tamanho grande

A peça denominada porta-copos possui a função de organizar, por tipo, os presentes e as fichas pequenas (Figura 7a). As colmeias são formas plásticas que possuem formato retangular e contêm 54 compartimentos, sendo 9 linhas e 6 colunas, que servem para o registro, com as fichas em EVA, dos caminhos percorridos por Jefferson, nas visitas a seus amigos (Figura 7b), bem como para a construção de pictogramas 3D (Figura 7c). Quanto a campainha, esta é um dispositivo que possui dois botões e duas luzes de led e tem por finalidade reproduzir sorteios aleatórios (Figura 7d). Quando acende a luz de cor verde produz um som ‘Pim’, que representa o movimento para o norte no tabuleiro e vermelha emite um som ‘Pom’, que indica o movimento para o leste.

 

Figura 7

Porta copos(a), Colmeia com os registros (b) e com o pictograma 3D(c), Campainha (d)

Porta copos(a), Colmeia com os registros (b) e com o pictograma 3D(c), Campainha (d)

Quanto à SE PAJ 3 amigos, esta é composta de cinco tarefas denominadas: situação da ciranda; situação do reconhecimento do bairro; situação da história; situação dos caminhos possíveis; situação da experimentação aleatória. Para o desenvolvimento delas, inicialmente o pesquisador apresenta um contexto, para que a criança tenha que pensar na solução considerando principalmente suas vivências cotidianas, em seguida, fomenta-se a discussão dos registros de forma oral, e por fim, se estabelece uma roda de conversa, em que se extraem respostas para outros questionamentos, bem como possibilitem que sejam feitas reflexões conjuntas. Essas tarefas serão apresentadas ao longo da seção análise dos dados.

 

2.3.3. O polo Objeto (O)

O polo Objeto será representado pelo conceito de chance, e como dito, esse termo é utilizado nesse artigo de acordo com Watson (2006, p. 128), como sendo “[...] uma aproximação da probabilidade, para distinguir aspectos mais intuitivos e experimentais do estudo da probabilidade teórica baseada nos espaços amostrais”.

Este conceito é abordado a partir das cinco tarefas da SE PAJ. Sendo que nas duas primeiras tarefas é explorado o conceito de chance com eventos não equiprováveis e equiprováveis. Com a primeira tarefa determina-se a ordem em que as duplas se movimentam no tabuleiro grande no chão por meio de sorteio (Figura 3a). Na segunda tarefa, as crianças familiarizam-se com a movimentação sobre o tabuleiro, bem como a utilização da campainha (Figura 7d) e das fichas de registro em EVA, tamanho 10 cm x 10 cm (Figura 6).

Nas terceira e quarta tarefas, é explorado o conceito de chance com eventos não equiprováveis, por meio, respectivamente, da narração da história da SE PAJ; e da determinação dos caminhos possíveis para Jefferson visitar cada um dos três amigos. Na quinta tarefa da SE PAJ, é explorado o conceito de chance com eventos não equiprováveis, por meio da realização de um experimento aleatório.

 

3. METODOLOGIA

 

Os sujeitos de pesquisa3 foram crianças da educação infantil, mais especificamente do 2º período, com idade de cinco anos, de uma escola privada da cidade de Itabuna, Bahia, Brasil. A sala era composta por 19 crianças, mas apenas 14 estavam presentes no dia da aplicação, sendo organizadas em sete duplas a critério da professora regente. Nas análises, utilizamos a notação , com x representando a dupla
(x = 1, 2, ..., 7) e y representando a criança da dupla (y = 1 e 2). Por exemplo, nomeamos como e referindo-nos às crianças 1 e 2, respectivamente, da Dupla 1.

A aplicação das tarefas ocorreu num único encontro de duas horas e meia e os dados foram coletados por meio de fotografias4, de registros gráficos feitos pelas crianças, além de filmagens e áudio gravações, sendo que os vídeos e áudios foram posteriormente transcritos.

Esses dados foram analisados em três blocos, correspondendo aos três meios em que foram separadas as cinco tarefas da SE PAJ 3 amigos. Reforçamos que o Meio que faz parte do modelo S.A.I., está sendo considerado como os diferentes ambientes, contextos, em que as tarefas estão estruturadas. Sendo assim, consideramos primeiro o Meio das Peças Grandes, que abrange as três primeiras tarefas e envolve o reconhecimento e manipulação das peças maiores da maquete tátil. Em seguida, na quarta tarefa, temos o Meio das Peças Pequenas, que as peças menores são exploradas fazendo um paralelo com a função das mesmas no tamanho maior. E por fim, o Meio da Experimentação, que voltamos com as peças grandes, mas trabalhando num contexto de vivência prática.

E nessa análise de cada bloco, procuramos identificar os esquemas de utilização das crianças (esquemas de uso, de ação instrumental e de atividade coletiva instrumental), bem como, investigamos o processo de instrumentação, observando a relação [S-I], a partir do manuseio da maquete (I) pelas crianças (S). No caso do processo de instrumentalização, utilizamos a relação entre a maquete tátil (I) e o conceito de chance (O), isto é, a relação [I-O], bem como a relação entre as crianças (S) e o conceito de chance (O) mediada pela maquete (I), ou seja, a relação [S-(I)-O], procurando avaliar o papel mediador da maquete tátil nas ações desenvolvidas pelas crianças, ao solucionarem as tarefas envolvendo o conceito de chance.

 

4. ANÁLISE DOS DADOS

 

Como dito, dividimos a nossa análise em três blocos, que correspondem a cada um dos seguintes meios: Meio das Peças Grandes; Meio das Peças Pequenas e Meio da Experimentação.

 

4.1. Bloco 1: meio das peças grandes

 

O Meio das Peças Grandes corresponde a três primeiras tarefas da SE PAJ 3 amigos, qual sejam: situação da ciranda; situação do reconhecimento do bairro e situação da história. Destaca-se que nessas três tarefas é explorado o conceito de chance com eventos não equiprováveis e equiprováveis.

Na primeira tarefa, o conceito de chance foi abordado no contexto de uma música de ciranda para a determinação da ordem que as duplas de crianças iniciariam a brincadeira da segunda tarefa.

Porém, antes de executar a atividade da música em si, o pesquisador explorou com as crianças duas peças da maquete que seriam utilizadas na segunda tarefa, com intuito de construir todo um cenário para a escolha da ordem das duplas. Essas peças foram o tabuleiro no chão da sala, denominado tabuleiro grande, onde ocorreria a brincadeira, e a campainha, que seria utilizada na brincadeira para determinar os movimentos sobre o tabuleiro.

Para o reconhecimento do tabuleiro o pesquisador pediu que elas descrevessem essa peça e informassem o total de quadrados. Salientamos que as crianças estavam sentadas no chão em frente ao tabuleiro. E verificando as gravações e fotos, observamos na determinação do total de quadrados quatro tipos de resposta: contagem dos quadrados um a um, sendo que algumas crianças ficaram contando utilizando a ponta dos dedos; o segundo tipo, utilizando o princípio aditivo (2 crianças); terceiro, o princípio multiplicativo (2 crianças) e por fim, o quarto tipo, verbalizando direto o total, ainda que de forma incorreta, já que responderam sete. Analisando esses resultados, podemos inferir que as crianças utilizam seus esquemas de uso (EU) para investigar o tabuleiro grande, e as soluções apresentadas sendo os seus esquemas de ação instrumental (EAI). E após discussão coletiva, mostraram entendimento que o tabuleiro grande era formado por um quadro maior contendo 9 quadrados menores, e nesse momento, podemos considerar que elas se valendo dos seus EAI construíram esquemas de atividade coletiva instrumental (EACI).

Em seguida, o pesquisador explicou que aquele tabuleiro representava um bairro com nove quadras, o que foi logo entendido pelas crianças. E que depois iriam brincar sobre ele, mas que só poderiam andar para o lado direito ou Leste e para a frente ou Norte, iniciando da primeira quadra. E apresentou a campainha às crianças e instruiu dizendo que ao acionar um dos seus botões, a mesma emitia um som “pim” e que a criança deveria andar sobre o tabuleiro para frente - Norte e se fosse o som “pom”, deveria andar para o lado - Leste. Foram feitas então algumas simulações, e verificou-se que as crianças com seus EU, distinguiram os dois sons e entenderam a direção e o sentido sobre o tabuleiro. E a compreensão dessa correlação entre o som da campainha com o movimento sobre o tabuleiro por todas as crianças, revelam seus EAI, bem como, EACI., já que a todo momento elas são levadas a discutir coletivamente e ter um entendimento geral.

Essa análise do uso pelas crianças (S) dessas duas peças (I), tabuleiro grande e campainha, mais especificamente, a partir da observação da evolução dos esquemas de utilização, nos permite investigar a relação [S-I], e compreender que ainda que as crianças tivessem dúvidas inicialmente quanto à quantidade de quadrados, foram capazes de chegar em respostas coletivas coerentes e corretas diante dos dois contextos apresentados, sendo assim, entendemos que o processo de instrumentação está em curso.

Dando sequência, o pesquisador organizou as crianças formando sete duplas, e pediu que cada dupla decidisse quem inicialmente se movimentaria no tabuleiro e quem tocaria a campainha, mas que antes era necessário determinar a ordem em que as duplas iriam iniciar a brincadeira. Para tal, formou um círculo com um representante de cada dupla, e cantou a música de ciranda: “Unidunitê, salamêminguê, um sorvete colorê, o escolhido foi você!”. E depois questionou, “Vocês acham justo escolher a pessoa que vai começar brincando, desse jeito?”.

As respostas se dividiram entre sim e não; sendo que uma criança justificou a resposta não, dizendo “porque o colega consegue toda hora”. O pesquisador percebendo que não havia consenso nas respostas e um amadurecimento da justificativa daquela criança, repetiu mais uma vez a música. E nesse momento, duas crianças das sete, expuseram que a escolha não seria justa, porque se começasse de uma certa pessoa, a música sempre ia parar nela.

Na sequência, o pesquisador perguntou se alguém teria outra ideia para a escolha da ordem das duplas. Duas crianças cantaram músicas idênticas a da ciranda, outra criança sugeriu que poderia ser quem levantasse a mão primeiro (pesquisador fez a simulação pedindo para levantarem a mão, fazendo-os perceber que não daria certo também); uma criança que contasse até dez; e por fim, a última sugestão, dada por outra, que fosse escolhido aquele que tivesse mais comportado.

Analisando a tarefa da música (I), as crianças, apresentaram seus EU tanto nas respostas aos questionamentos feito pelo pesquisador, como nas suas sugestões, uma vez que trouxeram métodos dos jogos de suas vivências diárias, não havendo necessariamente o foco no justo, no sentido de todos terem a mesma chance de serem escolhidos, isto é, a atenção deles era apenas que todos poderiam brincar, independentemente da ordem. Ressalta-se que apenas duas crianças, após a repetição da música, verbalizaram e justificaram corretamente que a escolha não era justa, correlacionando assim o movimento do pesquisador e a música, ou seja, viram e ouviram de forma integrada, revelando assim seus EAI. A partir desse resultado, analisando somente a relação entre essas duas crianças (S) com o I, relação [S-I], há indícios de instrumentação. Mas, não tivemos elementos para inferir o mesmo sobre as outras cinco crianças, porque parecem que apenas concordaram que não era uma escolha justa.

O pesquisador verificando que as opções dadas pelas crianças não podiam ser consideradas justas, realizou um sorteio com sete papéis numerados, em que cada criança, representante da dupla, pegava um papel, e assim foi determinando a ordem que iriam brincar. Após o sorteio, o pesquisador questionou o que eles achavam dessa nova forma de escolha e uma criança respondeu: “cada dupla vai de cada vez”, reforçando a impressão de que para elas o que importava é que todos iriam brincar.

Salientamos ainda um aspecto positivo nessa tarefa, a apresentação por parte do pesquisador para as crianças de um método de escolha diferente do que elas conheciam, e que poderão utilizá-lo em outras situações, após um entendimento mais amplo do conceito de chance por parte das mesmas. Mas, como não houve novas investigações nessa primeira tarefa que envolvessem as crianças (S) em situações de sorteio (I), não há elementos que sinalizem essa relação [S-I], por conseguinte o processo de instrumentação nesse sentido; mas que podem ser observados novamente na segunda e quinta tarefas.

Ainda em relação a essa primeira tarefa, vertendo o foco apenas para o momento da música e do sorteio (I), foi possível abordar, informalmente e de maneira contextualizada o conceito de chance (O), estimulando o raciocínio crítico das crianças (S) ao sugerir e avaliar métodos de realizar uma escolha justa ao iniciar a brincadeira no tabuleiro. Logo, considerando a relação [I-O], podemos pensar que há uma rica possibilidade de ocorrência do processo de instrumentalização, desde que, como dito, houvesse continuidade de exploração do conceito de chance nessa tarefa. O mesmo podemos comentar sobre a relação [S-(I)-O], que ainda não há elementos para nenhuma consideração.

O pesquisador passou para segunda tarefa, e iniciou apresentando as fichas grandes em EVA e solicitando que as crianças fizessem o reconhecimento das suas faces: lisa representado o movimento sobre o tabuleiro para o leste ou para o lado, e a face atoalhada para o norte ou para a frente. Em seguida, as crianças iniciaram a brincadeira de reconhecimento do bairro, como dito, uma criança da dupla se movimentava no tabuleiro, de acordo com o som da campainha, e enquanto isso a outra criança registrava com as fichas, no chão a sua frente, esse deslocamento. E assim, as crianças foram saindo do tabuleiro, e finalizando essa primeira rodada, cada componente da dupla trocou de função, ou seja, quem se movimentava passou a registrar e vice-versa.

Nessa exploração, avaliamos que eles utilizaram seus esquemas de uso (EU) para ver e sentir por meio do tato a textura das fichas, para ouvir os sons da campainha e para memorizar o movimento no tabuleiro. E depois, à medida que cada criança conseguiu correlacionar essas três ações, percebemos que elas revelaram seus esquemas de ação instrumental (EAI). Como toda a exploração foi discutida coletivamente, e analisando os vídeos e fotos, foi possível observarmos também a presença de esquemas de atividade coletiva instrumental (EACI).

Avaliando a relação entre as crianças (S) e (I) nessa tarefa, ou seja [S-I], verificamos que algumas crianças apresentaram dificuldades iniciais de associar o som emitido pela campainha com o deslocamento sobre o tabuleiro, mas por desatenção e euforia (o que é comum nessa faixa etária), do que por falta de entendimento, mas, logo em seguida, tiveram uma apropriação crescente e satisfatória dessa correlação. O mesmo ocorreu no registro com as fichas que foram dirimidas também. Enfim, de modo geral com a finalização desses movimentos percebemos que todas dominaram tanto o registro, como o sorteio via campainha, bem como o movimento no tabuleiro, e esses resultados dão indicativos, diferentemente da primeira tarefa, que há elementos que possam sinalizar a presença da instrumentação.

Para finalizar a tarefa, o pesquisador questionou “Vocês acham que essa forma de movimentação sobre o tabuleiro é justa? Vocês acham que tem a mesma chance de andar para o norte (som pim) ou para o leste (som pom)”? Só uma criança respondeu que era justa, mas não apresentou justificativas.

Investigando a presença das relações [I-O] e [S-(I)-O] (I como sendo a segunda tarefa e O, o conceito de chance com eventos equiprováveis), observamos que os contextos de brincadeiras para que as crianças vivenciassem situações envolvendo uma escolha justa, ainda não tinham sido suficientes para que elas apresentassem uma justificativa de seus entendimentos sobre o referido conceito. Portanto, até então, não há indícios que a gênese instrumental também se efetua sobre a instrumentalização.

Abrindo um parêntese, podemos pensar que se o foco da nossa análise ao invés do conceito de chance fosse a movimentação das crianças sobre o instrumento tabuleiro (I) e o Objeto (O), a lateralidade e a direção, pela apropriação crescente e satisfatória do uso do tabuleiro pelas crianças, poderia ser um indicativo que ocorreria tanto a instrumentação (relação [S-I]), como a instrumentalização, na direção da relação [I-O] e da relação [S-(I)-O].

Quanto a terceira tarefa, o pesquisador iniciou contando a história da SE PAJ 3 amigos de forma teatral, isto é, a cada trecho da história ele ia colocando sobre tabuleiro no chão da sala as casas com os presentes grandes no telhado, fazendo com que as crianças reconhecessem o tabuleiro realmente como um bairro onde moravam os quatro personagens: Jefferson, Pelé Babi e Duda (Figura 8).

 

Figura 8

Pesquisador apresentando as casas de Jefferson e de seus amigos de forma teatral

Pesquisador apresentando as casas de Jefferson e de seus amigos de forma teatral

Destacamos que nesse momento, houve uma participação ativa das crianças, observando e comentando as posições das casas, o nome dos amigos do Jefferson, e os presentes que representavam o que cada um desses amigos colecionava.

Após a contação da história, o pesquisador questionou às crianças, o que elas achavam da ideia do Jefferson visitar os amigos por meio do sorteio com a campainha. Uma criança disse; “Sorteio não”, mas não justificou. E duas crianças verbalizaram e ao mesmo tempo apontaram com os dedos, qual seria o movimento que Jefferson deveria fazer para chegar, uma delas na casa de Duda (Norte, Norte), e outra na casa de Babi (Leste e Norte).

Observando a resposta dessas duas últimas crianças, analisamos que elas com os seus EU foram capazes de observar o posicionamento das casas, o movimento sobre o tabuleiro, os presentes, os nomes dos amigos, o apontar com os dedos. Mas, a partir do momento que elas relacionaram todas essas ações e peças (I), revelam também a presença de EAI. A partir desse resultado, supomos que analisando somente a relação entre essas crianças (S) com o I, relação [S-I], em alguma instância já há indícios da instrumentação.

Prosseguindo com a tarefa, o pesquisador questionou: “Sem fazer o sorteio, todos os amigos têm a mesma chance de serem visitados por Jefferson?” As crianças ficaram entre sim e não. O pesquisador percebendo que havia dúvidas, insistiu no questionamento: “Mas todos têm a mesma chance de ser visitados?” As crianças responderam de forma uníssona em voz alta: “Sim”, mas não justificaram. O que parece indicar que elas continuam tendo a certeza, como nas tarefas anteriores, que todos tem a mesma chance, no sentido da possibilidade de ser sorteado, e nesse caso, dos amigos serem visitados por Jefferson. Diante dessas respostas, investigando na terceira tarefa (I) o conceito de chance com eventos não equiprováveis (O), da mesma forma como na segunda tarefa, não há indícios que a gênese instrumental também se efetua sobre a instrumentalização, portanto nas relações [I-O] e [S-(I)-O].

 

4.2. Bloco 2: meio das peças pequenas

 

O Meio das Peças Pequenas corresponde a quarta tarefa da SE PAJ 3 amigos, denominada situação dos caminhos possíveis. Destaca-se que nesta tarefa é explorado o conceito de chance com eventos não equiprováveis. E o pesquisador inicia a quarta tarefa entregando para cada dupla as seguintes peças: tabuleiro, casas, colmeia, fichas em EVA e os presentes no porta-copos; sendo que uma criança, já verbaliza: “Isso aqui parece com isso que está no chão” (comparando o tabuleiro pequeno com o tabuleiro grande).

Em seguida, o pesquisador pede que colem as casas no tabuleiro relacionando com o tabuleiro grande. Mas, para sua surpresa, antes mesmo de terminar essa instrução, as duplas já tinham feito a montagem, e somente duas duplas não o fizeram corretamente, mas que logo ao serem questionadas pelo pesquisador corrigiram sem dificuldades.

Logo nesse primeiro momento, considerando que as crianças usaram tanto EU como EAI, bem como EACI em cada dupla, podemos analisar a relação [S-I], ou seja, entre as crianças (S) e o tabuleiro e casas pequenas (I), pois por meio da apropriação das peças, as crianças demonstraram facilidade para entender que o tabuleiro representava um bairro com as casas e presentes colados, similar ao bairro construído no chão. Esse reconhecimento era fundamental para que as crianças estabelecessem os caminhos para Jefferson chegar à casa de cada um dos amigos.

Sendo assim, o pesquisador pediu para as duplas registrar nas colmeias, usando as fichas pequenas, todos os caminhos possíveis para Jefferson chegar à casa de cada um dos amigos, colocando também os presentes correspondentes. Mas antes das crianças efetivarem a tarefa, o pesquisador fez a simulação dizendo: “se anda para o leste sobre o tabuleiro, coloca a ficha dentro do espaço da colmeia, com o lado liso pra cima; se caminhar para o Norte, coloca ficha com o lado atoalhado para cima. A semelhança do que foi feito no chão na segunda tarefa”. E finalizou a simulação, orientando que no próximo espaço da mesma linha da colmeia colocasse o presente que Jefferson dava para o amigo visitado.

As crianças apresentaram muitas dificuldades iniciais, o que é compreensível, foram muitos comandos e peças para coordenar ao mesmo tempo com os registros, e elas estavam ainda se apropriando, se familiarizando do significado de cada peça ou vocábulo presente na tarefa. E apesar da similaridade com as peças grandes era a primeira manipulação com as peças pequenas. O pesquisador então foi para lousa e explicou novamente, desenhando a simulação. Depois acompanhou cada dupla para ir dirimindo as dúvidas. Apresentamos a seguir extrato do diálogo do pesquisador com D1 para exemplificar essa intervenção, bem como, os avanços crescentes das crianças na tarefa.

Pesquisador: O Jefferson parte daqui. Você indicou que o Jefferson foi para o Norte e depois para o Leste. Então ele vai dar o que de presente ao amigo?

D11: A boneca.

Pesquisador: E onde você coloca a boneca?

D12: Aqui (Apontando para o espaço da colmeia).

Pesquisador: ... Para o Jefferson dá uma bola de presente, ele vai ter que ir por onde?

D11: (Criança aponta com o dedo o caminho para chegar à casa de Pelé).

Pesquisador: Então qual é o lado da fichinha que você vai registrar aqui na colmeia?

D11: (A criança executa o registro corretamente).

Pesquisador: Qual é o próximo movimento agora?

D11: (Criança em silêncio, aponta com o dedo e, em seguida, executa o registro da ficha na colmeia).

Pesquisador: Muito bem! Caminha para o Leste, depois Leste novamente e dá o que?

D12: Uma bola (Sendo registrado por D11).

A exemplo de D1, todas as outras duplas, conseguiram finalizar de forma satisfatória e correta o que foi solicitado (Figura 9).

 

Figura 9

Resultado do registro com as fichas e presentes na colmeia de todas as duplas

Resultado do registro com as fichas e presentes na colmeia de todas as duplas

Analisando esse extrato de diálogo com D1, que foi muito similar também com as outras duplas, observamos que os seus EU pré-existentes (das tarefas anteriores) foram acomodados, evoluídos, combinados, coordenados com os EAI, e também no sentido mais coletivo, com os EACI; revelando que seus conhecimentos para a utilização do artefato, com o objetivo de realizar a atividade proposta, permitiu que esse artefato (peças pequenas e essa quarta tarefa) já apresentasse status de instrumento (I), na medida que as crianças (S) transferiram os seus esquemas apresentados no meio com as peças grandes, para esse novo meio com as peças pequenas com bastante competência, destreza, eficiência. Logo, verificamos com mais clareza o processo de instrumentação no âmbito da relação [S-I].

E após esses registros dos caminhos, o pesquisador perguntou de forma coletiva quantas vezes Jefferson visitou cada amigo: Babi, Duda e Pelé; e todos unissonamente responderam: dois, um e um, respectivamente. Em seguida, orientou que cada dupla organizasse em outra colmeia limpa somente os presentes que Jefferson deu aos seus amigos e questionou dupla por dupla: “Quem é que tem mais chance de ser visitado?”. As crianças não tiveram dificuldade de organizar o Pictograma 3D e nem de responder ao questionamento, já que disseram que era Babi e justificaram porque tinha duas bonecas. Essa resposta, parece indicar que eles associaram o termo chance ao número de presentes.

Então, para investigar um pouco mais o entendimento desse conceito, o pesquisador perguntou de forma coletiva: “Agora que vocês acharam todos os caminhos possíveis para Jefferson chegar à casa de cada um dos amigos, queremos saber: vocês acham que todos os amigos têm a mesma chance de ser visitado por Jefferson?”. As crianças se dividiram entre sim e não, então o pesquisador percebendo ainda a falta de compreensão, mudou o questionamento: “Olhando para o registro na colmeia, quem teve mais chance de ser visitado por Jefferson?”. Percebemos que essa nova forma de questionar teve um resultado satisfatório, pois todos responderam que o amigo mais visitado era a Babi, e uma criança justificou: “Por que ela tem duas bonecas selecionadas”. Depois de identificarem que Babi era amiga que tinha mais chance de ser visitada por Jefferson, disseram que Pelé e Duda tinham a mesma chance.

Ao estudar a relação [I-O], que possibilita observar a gênese a partir do artefato com suas restrições e possibilidades, inferimos que a colmeia com os registros dos caminhos possíveis (I), bem como, a colmeia só com os presentes, formando o pictograma 3D (I), possibilita a exploração do conceito de chance com eventos equiprováveis. Além disso, os resultados evidenciam uma relação [S-(I)-O], em que as crianças (S) associam esse conceito ao número de visitas, no caso da colmeia com os registros e, também com o número de presentes do pictograma 3D. Então, refletimos que os resultados dão indícios que o processo de instrumentalização está em curso.

 

4.3. Bloco 3: meio da experimentação

 

O Meio da Experimentação corresponde a quinta tarefa da SE PAJ 3 amigos, denominada situação da experimentação aleatória. Destaca-se que nesta tarefa é explorado o conceito de chance com eventos não equiprováveis.

O pesquisador iniciou a tarefa organizando as crianças em fila, próximo ao tabuleiro grande construído no chão, e disse que agora eles iriam brincar de sortear com a campainha, se movimentar sobre o tabuleiro, descobrir o amigo visitado, pegar o presente correspondente e organizá-lo no chão montando um gráfico similar ao que tinham sido feito na colmeia, ou seja, um pictograma 3D. Realizou uma simulação e as crianças não tiveram dificuldade de associar os dois sons pom, com o deslocamento duas vezes para leste e quando questionados quem seria o amigo visitado, responderam de forma uníssona “Pelé”.

Mas antes de iniciar de fato a experimentação, o pesquisador questionou, quem eles achavam que ia ser o amigo mais visitado com o sorteio, e todos disseram “Babi”, provavelmente influenciados pelo resultado da tarefa anterior, já que ao serem questionados “Por quê?”, uma criança respondeu “Porque tinha duas bonecas no negócio que a gente fez”.

Em seguida, o pesquisador deu início ao experimento e conforme a regra da experimentação, após chegar a casa do amigo a criança saia do tabuleiro, pegava o presente colecionado pelo amigo visitado e o levava para colocar no chão.

Após colocar o presente no pictograma 3D, a criança voltava para o final da fila e esperava sua vez para realizar todo o movimento novamente. Inicialmente o pesquisador planejou 32 experimentos, no entanto realizou só 29, tanto por conta da limitação do tempo, quanto pelo fato ter percebido que as crianças já tinham se apropriado de todas as peças e ações para a realização da experimentação.

Revendo as filmagens, observamos que durante a experimentação as crianças (S) estavam tão estimuladas que executaram a tarefa com rapidez e eficiência, confirmando a conclusão que havíamos chegado na tarefa anterior, a partir da investigação da relação [S-I], mas agora tomando I como sendo a maquete tátil, ou seja, todas as peças e as cinco tarefas, que de fato ocorreu a instrumentação.

Como a gênese pode ser investigada também na direção do artefato, processo de instrumentalização, prosseguimos observando os resultados, já que no final da experimentação, o pesquisador reuniu as crianças em torno do pictograma 3D, para que todos pudessem observar o gráfico e refletir sobre qual dos amigos foi o mais visitado (Figura 10).

 

Figura 10

Crianças contando os presentes

Crianças contando os presentes

Neste momento, as crianças, juntamente com o pesquisador, foram contando os presentes, e verificaram que havia 14 bonecas significando 14 visitas para Babi, 8 dados ou o mesmo número de visitas para Duda e 7 bolas correspondendo as sete visitas para Pelé. Após contagem, o pesquisador fez os seguintes questionamentos:” Quantos caminhos têm para chegar à casa de Pelé?, “E para chegar a casa de Duda?”, “E a casa de Babi?”. As crianças responderam de forma uníssona, respectivamente: “Um!”, “Um””, “Dois!”. O pesquisador ainda questionou: “Por que nós visitamos no sorteio mais a Babi?” e uma criança respondeu:” Por que naquele jogo a gente recebeu duas Babis e teve que fazer dois caminhos para chegar à casa dela.”.

As outras crianças, apesar de não verbalizarem uma resposta, estavam bem atentas, participativas e não se colocaram contrárias a essa resposta do colega. Assim, identificamos que eles confirmaram o que haviam dito antes da experimentação, isto é, que Babi foi a mais visitada, mas com uma diferença em relação ao questionamento inicial nessa mesma tarefa, que foi o fato deles associarem o conceito de chance com o número de caminhos, e não apenas pelo número de presentes.

Analisando esses últimos resultados, quanto a relação [I-O], maquete tátil e o conceito de chance, observamos uma evolução nas possibilidades, consequentemente diminuição das restrições, de exploração do conceito de chance de forma mais apropriada a faixa etária dessas crianças. Para essa nossa constatação, nos amparamos novamente no conceito de chance apresentado por Watson (2006), qual seja, “[...] uma aproximação da probabilidade, para distinguir aspectos mais intuitivos e experimentais do estudo da probabilidade teórica baseada nos espaços amostrais” (p.128) e na orientação dessa mesma autora, que é trabalhar esse conceito relacionando com a tomada de decisão em diferentes contextos.

No que tange a relação [S-(I)-O], refletimos que com a maquete tátil, apresentados nos três meios estudados, logo em diferentes contextos, possibilitou as crianças explorarem progressivamente o conceito de chance, chegando inclusive ao final dessa quinta tarefa, como dito, identificar que Babi seria a amiga mais visitada por Jefferson por ter dois caminhos possíveis para chegar à sua casa. Esses resultados podem ser um indicativo que ocorreu o processo de instrumentalização na esfera das relações [I-O] e [S-(I)-O]. Indicativo, no sentido que, só poderíamos confirmar que essas crianças manteriam essa associação das chances com o número de caminhos, se elas vivenciassem uma situação de experimentação em que houvesse um empate ou predominância de outro amigo que não fosse a Babi.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Nessa seção final, refletimos sobre os resultados de uma forma global, tendo em mente nosso objetivo geral, investigar nas ações de crianças da educação infantil, elementos que sinalizem a presença da Gênese Instrumental (GI), ao resolverem tarefas envolvendo o conceito de chance no contexto da maquete tátil (MT) e para responder a nossa questão de pesquisa, qual seja: que elementos sinalizam a transformação da MT de artefato à instrumento durante seu manuseio por crianças da educação infantil, na resolução das tarefas que envolvem o conceito de chance?

Sendo assim, destacamos inicialmente, a nossa percepção de que as crianças se apropriaram de forma crescente tanto das peças como das tarefas da SE PAJ 3 amigos que compõem a MT, analisando por exemplo, o desempenho delas durante a execução e discussão da quinta tarefa. E nesse percurso de apropriação da MT (I), verificamos também, que as crianças (S) criaram, acomodaram e aperfeiçoaram seus esquemas de utilização (esquemas de uso, de ação instrumental e de atividade coletiva instrumental), consolidando-se assim de forma bem eficiente a relação [S-I] em cada meio apresentado, quais sejam: meio das peças grandes, meio das peças pequenas e meio da experimentação. E por conseguinte, nos possibilitando identificar com mais propriedade e clareza elementos que sinalizam o processo de instrumentação.

Vertendo nosso olhar ainda sobre a GI, observamos mais potencialidades da MT do que restrições, tanto para abordagem do conceito de chance (O), como para exploração desse conceito por parte das crianças, evidenciando-se assim o estabelecimento de forma satisfatória das relações [I-O] e [S-(I)-O], em especial, na quinta tarefa. Contudo, diferentemente da instrumentação, ponderamos que não encontramos elementos suficientes, mas apenas indícios, para sinalizar de forma definitiva a ocorrência da instrumentalização nessa aplicação com as crianças.

Diante dessas considerações, pensamos que seria interessante continuar explorando o conceito de chance com essas crianças, ainda no âmbito da maquete tátil. Estabelecendo-se um quarto meio, a partir da aplicação, por exemplo, da tarefa envolvendo a história da SE PAJ versão 5 amigos, que já foi utilizada em estudos com outros sujeitos. Nesse contexto de cinco amigos, além da inclusão de mais dois amigos (Abel, que coleciona anel e Beto, que coleciona botão), o bairro, representado pelo tabuleiro tanto grande como pequeno passam a conter 25 quadras; e Jefferson precisa fazer quatro movimentos para chegar à casa de cada um dos amigos, por conseguinte, estabelecendo-se assim 16 caminhos possíveis ao invés dos 4 caminhos da SE PAJ 3 amigos, ademais Abel passa a ser o amigo mais visitado.

É possível que após essa nova pesquisa, surjam elementos mais contundentes, que agregados aos já identificados nesse estudo, sinalizem a ocorrência da gênese instrumental tanto na direção da instrumentação como da instrumentalização, logo a transformação do artefato MT em instrumento para essas crianças.

Por fim, ainda que novas pesquisas sejam propostas, considerando os resultados desse nosso estudo, almejamos que a MT possa ser utilizada por professores em qualquer fase escolar, por acreditamos que a mesma seja um material didático eficiente e viável, para uma abordagem lúdica, reflexiva de conceitos probabilísticos, mais especificamente, de forma direta, o conceito de chance, e que possa, por conseguinte, auxiliar positivamente no desenvolvimento do letramento probabilístico dos alunos.

 

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Como citar:

Kataoka, V.Y. y Vita, A.C. (2023). A Gênese Instrumental na relação entre crianças e a maquete tátil no estudo do conceito de chance. Revista de Educación Estadística, 2(1), 1-27. https://doi.org/10.29035/redes.2.1.2

 

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1*Autor de correspondencia: vykataoka@uesc.br (V.Y. Kataoka).

https://orcid.org/0009-0000-9225-8241 (vykataoka@uesc.br).

3 Ressaltamos que os dados utilizados neste artigo foram coletados no âmbito do projeto de pesquisa desenvolvido por Vita et al. (2016), uma vez que o projeto de Kataoka e Vita (2022) é apenas de cunho teórico.

4 Destacamos que os responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, nos possibilitando assim, apresentar nos resultados as fotos das atividades sem a necessidade de ocultar os rostos das mesmas.